Eu estava lendo a coluna do Vladimir Saflate na folha e me deparei com a afirmação:
há os que veem a cultura como ponta de lança de serviços de assistência e integração social. Mais música e menos violência –é o que alguns gostam de dizer, como se houvesse alguma forma de relação direita possível. O que abre um perigoso flanco: se o índice de violência não baixar, o investimento em música parece perder o sentido.
Isso me pareceu bem pertinente, levando em consideração a enorme demanda de projetos culturais que tem como argumento nuclear a retirada das crianças das ruas ou a inserção do sujeito na sociedade e etc; trazendo consigo uma noção antiga de que “cabeça vazia, oficina do diabo”, portanto, cabeça cheia (pode ser de artes plásticas, de música, de fotografia, de qualquer coisa) fica longe de qualquer problema social. E, da mesma forma como Foucault frisa a respeito das prisões, enfatizando que todas as prisões sempre tiveram o objetivo de reformar o indivíduo, ou seja, re-inseri-lo na sociedade retirando todo o mau-caráter e o transformando em um bom sujeito, as atividades culturais me parecem caminhar na mesma direção reformadora.
Se um centro cultural existe, oferecendo música, artes e literatura, e tem como lema retirar as crianças das ruas, do tráfico, da delinquência, do banditismo e etc, se elas não forem retiradas das ruas, então não há sentido em oferecer música e artes? Qual a ligação direta entre cultura e marginalismo? Somente o antigo proverbio, até onde eu vejo.
Mas, na verdade, se o objetivo é ocupar as mentes para não encaminhá-las para a vida marginal, então não é somente cultura que se oferece. A arte é mais instrumento de transgressão e revolução do que de legitimação – quando Hitler montou seu exército de artistas para pintar a verdadeira arte alemã, estava pintando ideologia, estava utilizando a arte como aparelho ideológico no Estado nazista. Analisando desta forma, a “arte na favela” se faz mais como uma “re-educação na favela”. A arte, a música e as iniciativas para retirar os jovens da vida bandida se mostram como maneiras de re-inseri-los na ordem vigente
Se não há inserção na ordem vigente, então não vale á pena ter arte para o povo.
Se a arte é, como afirma Caudwell, uma quebra no ciclo de símbolos que são compartilhados e herdados geração à geração em nossa sociedade, se ela é a quebra de uma ordem estabelecida e é, desta forma, a necessidade de criar sob novos pressuposto – pressupostos esses que suportem essa nova arte e a explique – então não há arte em re-educação de jovens.